Uma parte considerável da inovação arquitetônica passa pelo uso de materiais. O desenvolvimento tecnicista e novas linguagens formais fazem uso deles para “anunciar” a “próxima” era arquitetônica. É claro que os materiais são essenciais para a construção, e significativos para a consolidação de linguagens. O vidro, aço, concreto ou tijolo dizem coisas sobre os edifícios. Porém, como toda língua, o sentido das palavras pode variar de acordo com a organização social vigente, disputa-se o sentido de determinadas expressões, ou pressiona-se pela abolição – ou no mínimo a dissociação – de alguns sentidos atrelados a algumas palavras. Não seria diferente na arquitetura.
O contexto contemporâneo traz consigo demandas prementes que exigem atenção, e essa revisão passa pelos materiais usados na construção. Por exemplo, materiais orgânicos fazem mais sentido no quesito de poluição ambiental, mas deixam a desejar na durabilidade – também muito valorizada em arquitetura. O tijolo de barro pode ser um ótimo material construtivo, é ambientalmente responsável e retoma técnicas e linguagens tradicionais e históricas. No imaginário geral, sua desvantagem estaria na limitação formal. Mas a realidade é repleta de exemplos construídos que provam o contrário (ainda bem).
Formas mirabolantes, grandes vãos, janelas extensas são alguns dos elementos que trazem à mente o concreto, vidro ou estruturas metálicas. Contudo, há a possibilidade de fazer o tijolo alcançar todos esses feitos. É verdade que a superfície não será lisa, e a aparência não será asséptica ou reluzente. Isso não significa que será desinteressante: por causa da matéria-prima orgânica, existe uma variação de tom entre cada peça, que proporciona uma gradação cromática à superfície. Devido ao formato e dimensões dos blocos, é possível se aproveitar de disposições, paginações e profundidades diferentes para criar uma textura visual e tátil na construção – e aquilo que diz respeito ao volume, também diz respeito ao efeito da luz e da sombra móveis ao longo do dia e das estações.
Além disso, no caso de tijolos furados, é possível tirar partido dos furos para compor as texturas de fachada ou utilizá-los à maneira de um muxarabi. Aliás, a composição de fachadas vazadas é uma prática comum com tijolos cerâmicos, e que pode ser “ampliada” com o uso das próprias peças, onde o módulo vazado é composto pelos próprios blocos cerâmicos reposicionados e combinados. Quanto aos grandes vãos, o uruguaio Eladio Dieste é o grande representante da cerâmica armada, que resulta em formas sinuosas e vãos livres que não ficam para trás em relação aos vãos de construções em concreto do mesmo tipo.
O tijolo normalmente se esconde atrás do reboco e argamassa das paredes, é o “grau zero” da construção. Os exemplos abaixo provam que esse elemento merece a mesma reverência, exploração e destaque que qualquer outro material. Rusticidade não significa menos técnica, e o tijolo cerâmico é o primeiro na fila desta ressignificação.
Casa Marcela / Erbalunga estudio
“Externamente, são preservadas as características da arquitetura vernacular espanhola, paredes espessas, pouco perfuradas, que configuram o limite da rua e criam uma barreira em relação à vida interior. Mas no pátio, essas paredes se transformam em peles muito mais permeáveis, leves, dotadas de grande eficiência e que conseguem entrelaçar referências visuais por meio do vazio e entre os diferentes cômodos.”
Escritórios da Fábrica de Tubos Metálicos / KSM Architecture
“Um volume completamente construído e finalizado em um único material. Existe uma oportunidade de abordar um projeto a partir de uma perspectiva ‘monomaterial’? […] Quando visitamos o novo empreendimento, passamos por várias olarias. O solo local é argiloso, o que é ideal para a fabricação de tijolos. O tijolo de barro, disponível localmente como material, conferiu uma sensação de calor ao espaço, uma conexão com o solo que ressoou com nosso pensamento. Poderia ser o tijolo nosso material escolhido?”
Edifício Chile 893 / Arq. Natalia Leves
“O uso predominante de tijolo como material se deve à sua disponibilidade local e à familiaridade da mão de obra com essa técnica construtiva. O tijolo é utilizado no exterior, sendo uma pele que reveste as unidades e se ‘desmonta’ como brises nas sacadas, considerando que o terreno tem a face mais extensa exposta ao oeste. O tramado foi utilizado como um dispositivo regulador dessa orientação, conferindo caráter a toda a construção.”
Casa Canvas / Partisans
“O padrão não modulado da fachada, formado por uma unidade repetitiva de cinco tijolos, é inspirado nos primeiros trabalhos de Larry Poons. A ótica é obtida pela combinação do tijolo de cor única com variações de peças improvisadas individualmente, permitindo que o projeto evidencie a capacidade do tijolo de encapsular a elegância de uma casa georgiana sem depender de formas tradicionais.”
Igreja de Jesús Obrero / Eladio Dieste (artigo por Carlos Eduardo Dias Comas, fotografias por Marcelo Donadussi)
“Resulta claro que a curvatura da casca outorga uma condição singular e diversa tanto ao volume exterior quanto ao interior, que a condição aditiva do tijolo proporciona textura e vitalidade às superfícies e que a opção estrutural confere um interesse excepcional ao projeto.”
Casa da Cultura e Jardim de Infância (CADI) Tlatenchi / Taller CD
“Um elemento chave foi a incorporação contemporânea da abóbada de tijolos, que na arquitetura moderna permite tirar partido da sua funcionalidade estrutural, versatilidade e expressividade. Essa abordagem envolveu uma revisão do ofício do mestre de obras que a construiu, cujo conhecimento foi transmitido por gerações em Tlatenchi, bem como a integração dos materiais com as dimensões particulares do local e o tempo em que é localizado.”
Museu do Tijolo / Brasil Arquitetura
“As colunas deverão ser feitas uma a uma em formas anômalas orgânicas de tijolos mesclados (inteiros e quebrados). Serão como grandes esculturas que sustentarão a laje de cobertura. Um grande muro de tijolos com 45 cm de espessura orienta todo o projeto e os usos do museu. Este muro funciona como uma grande espinha dorsal, com 35 metros de comprimento, orientado exatamente no sentido norte/sul. Este muro deverá ser integralmente de tijolos assentados com vários tipos de aparelhamentos mostrando a riqueza intrínseca à técnica milenar da alvenaria. É parte integral da museografia.”
Psicoarquitetura / Oscar Abraham Pabón no Pavilhão Mies van der Rohe de Barcelona
“Um muro é construído sobre o lago do Pavilhão, feito com blocos de barro cozido (Calibric ONE) onde é entalhado o desenho de uma nova mancha de tinta em sua superfície, a partir da própria interpretação do autor quanto a relação do Pavilhão e seu reflexo na água. O bloco de argila se apresenta como objeto de interpretação. O muro atua como uma superfície ou pele que torna tangível e transmite para a superfície uma dimensão interna por meio dos diferentes níveis de camadas que o compõem, envolvendo não apenas a história construtiva do material, mas também seu papel na arquitetura e urbanismo do século XX.”
Casa Tijolo / AZL architects
“Os tijolos foram feitos com argila e o conhecimento local, há uma mão de obra especializada na região, compondo a estrutura e as fachadas. Foram fabricadas diferentes texturas de tijolo para a fachada. Um padrão entrelaçado deixa aberturas entre os tijolos, e tijolos protuberantes geram sombras ao longo do muro. As janelas acentuam a textura, e a alvenaria desenvolve uma relação geométrica ao permanecer leal à lógica estrutural.”
Biblioteca Maya Somaiya, Sharda School / Sameep Padora & Associates
“Neste ponto, a eficiência da abóbada de tijolos catalã do século XVI despontou como a nossa favorita em meio a tantas possibilidades, chegamos à obra do uruguaio Eladio Dieste e então, não havia mais dúvidas quanto à técnica que utilizaríamos para construir a expansão da biblioteca.”
Casa 9X9 / Oficina de arquitectura X
“Constrói-se o espaço com paredes e teto de tijolos cerâmicos aparentes com junta seca usando adesivo polimérico, evitando desperdícios e juntas indesejadas. Constrói-se a atmosfera com o manuseio cuidadoso e excelente da luz. Se o número emociona, é Arquitetura ou Construção?”
Casa de Tijolo / Ventura Virzi arquitectos
“Adotamos também um sistema de parede guarda-sol construída em tijolos nos termos de Wladimiro Acosta que consiste em um conjunto de laje visor e tachas como marco de proteção solar diante do edifício que regulam a entrada de raios solares e conformam um recinto de sombra nas épocas de verão, gerando um efeito de ar sobre os muros do edifício que Acosta denominava Aura Térmica.”